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Arte da coerência e precisão

                                (Quarta parte)   Há um tom oracular que passa por vários poemas, como o que acabamos de citar no décimo segundo parágrafo do ensaio anterior, mar­cado pelo afastamento da primeira pessoa, sobreposição do verbo no infinitivo, pelo jogo de oposições e pela linguagem condensada. O próprio exercício poético surge, em Eunice Arruda, como chamado, como modo de ser e de viver, a exemplo de um Sísifo a perscrutar a palavra, sem uma finalidade previamente concebida, mas iluminando-se na própria jornada, num movi­mento de morte e renascimento. O poema “ Mensagem ”, do livro Risco (1998), melhor nos diz sobre esse aspecto de sua poesia:   É Natal novamente onde estamos e onde não estamos   Nas ruas nas noites enfeitadas o Natal chega passo a passo em cada dia de dezembro E não há como fugir já não há onde esconder o encontro é inevitável Há que se aproximar então o coraçã...
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A vida que rodeia de forma concisa

  (Terceira Parte)   Eunice Arruda é simplesmente poeta, e apenas poeta. Não há registros de que tenha deixado obras em prosa. Vocacionada para a lírica, a poeta traduz a experiência do homem em sentido universal, redimensionada na condição individual daquela que sente o mundo pelo seu olhar (des)encantado. Em consonância com a liberdade estética e com a tensão lírica, Eunice Arruda partilha do gosto pelo nominalismo, que aproxima sua poesia da captação objetiva das coisas, a exemplo do que marcou a poesia modernista da segunda fase aparente em Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. Desprovida de misticismo, a poeta vê-se como um depurador da experiên­cia cotidiana, limando seu olhar sobre o mundo na mesma medida em que afia as facas para a composição lírica, dita no poema “ Observando - I ”, de Os momentos (1981), da seguinte forma:   sim há as horas de trégua   Quando se afiam as facas (2012, p. 106).   A lâmina cortante das...

A poética de Eunice Arruda

  (Segunda Parte)   A “noite” é uma referência constante nos poemas de Eunice Arruda . Contrariamente à poesia romântica, que enxergava na noite os mistérios, a morte, a evasão pela boêmia e a pos­sibilidade de transcendência, a poesia de que falamos aqui apresenta a noite como tristeza pela inércia, solidão, constatação da nulidade das buscas diárias, consciência da finitude do desejo. O título do seu primeiro livro assume, dessa forma, a condição matriz de sua poética, caracte­rizada por esses aspectos. O verso final das duas primeiras estrofes reforça o significado que a noite tem na sua obra: “ Que solidão nesta noite fria”, “E a noite era tão fria ”. Assim, a frieza noturna é extensão metafórica da ausência do movimento e da solidão, expressa também como “noite no coração”. É característica de sua poesia a fusão entre a paisagem externa, notadamente noturna, e seu universo íntimo. Os versos curtos, como “em vão”, “sentiram”, “que fica”, são entrecortados pela imposi...

Poesia da solidão e da metalinguagem

  (Primeira Parte)   Uma moça tímida, de andar de passos pequenos, olhos acesos, de palavras poucas e gestos amáveis representava aquele momento no início dos anos 60. Seu talento foi exaltado pelo editor Massao Ohno , pelos poetas Álvaro Alves de Faria, Leila Míccolis, pelo jornalista e professor de literatura Sérgio de Castro Pinto, que nos apresenta a poeta a partir de seu apartidarismo literário e sua despretensão de filiação vanguardística, na orelha direita do livro Poesia Reunida publicada em 2012. Em 15 de novembro de 1960, ano em que Eunice Arruda publica seu livro de estréia, o poeta e jornalista Judas Isgorogota assim se refere ao livro e à poeta: “Publiquei os primeiros versos de Eunice Arruda [...] dava a impressão de ser apenas um gesto lírico de asa que sonha voar. Entanto, em breve, o gesto era voo, amplo, forte, decisivo.” ( apud ARRUDA, 2012, p. 264). A obra referida É tempo de noite , publicada pela Massao Ohno – editora que publicava livros de j...

Desconstrução das tradições e papéis sociais

  O lento processo de abertura política que se inicia nos meados dos anos setenta no Brasil permite que diferentes grupos retomem seus movimentos reivindicatórios. Dentre estes, organizam-se grupos que se voltam especificamente para a questão da homossexualidade masculina e feminina. Todavia, a forte homofobia que ainda impera na sociedade impede que seus posicionamentos ganhem uma maior visibilidade e legitimidade. Uma barreira que tem dificultado a articulação do desejo homoerótico por parte de muitos. Nesse sentido, o presente trabalho pretende se voltar para o estudo de alguns poemas produzidos por Renata Pallotini nos anos oitenta. Poemas que tratam, de forma ambígua, uma linguagem sugestiva do desejo homoerótico. Renata Pallottini nasceu em 20 de janeiro de 1931 em São Paulo, graduou-se em Filosofia Pura (1951) e Direito (1953), exercendo a advocacia por dez anos. Autora e tradutora muitas vezes premiada, escreve poesia, dramaturgia, ensaio, ficção, teoria de teatro, seri...